quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Entrevista : Duda Yankovich

1. Você era uma criança invocada?

Eu sempre fui muito moleca. Mas não era encrenqueira. Sempre me envolvi com várias lutas – karatê, Kickboxing, Boxe. Mas na verdade eu sempre busquei esportes diferentes. Eu nunca pude ouvir “você não pode fazer isso”. No meu país, se você é mulher, nasce para procriar, cuidar da casa, do marido. Mas quando eu tinha 10 anos de idade eu já sabia que não iria viver aquela vida. Comecei a treinar karatê e com 15 eu fui para a capital treinar pela seleção.

2. E como se sustentou?
Fui contratada pela seleção de karatê, mas não me bancavam. Eu trabalhei em banca de jornal até que entrei em uma escola de segurança, onde tinha treinamento de tiro, judô, mas a aula mais importante era a de comportamento. Lutar boxe é muito difícil. Não é briga de rua. Briga de rua é instinto. Se o carro passa por cima do filho da mulher, com a descarga de adrenalina ela levanta o carro e mata três caras de uma vez. Isso é instinto. Luta de boxe é uma coisa totalmente diferente.

3. Como você veio parar aqui?
Eu já tinha deixado o karatê, em que era faixa preta, por uma decepção com o esporte e fui para o Kickboxing. Em 1999 começou a guerra da Organização tratado do Atlântico Norte (OTAN, que invadiu a antiga Iugoslávia sob pretexto humanitário) uma das quatro que eu vivi. Essa foi bem prejudicial porque a gente não treinava mais, as academias viraram esconderijos. Eu sempre me perguntei como os iraquianos nasciam e viviam a vida toda no meio de uma guerra, mas eles não conhecem outra vida. Você se acostuma. Tem filas para comer, para comprar, não sabe se vai para o esconderijo, não se sabe quando tudo aquilo vai terminar.

4. E nessa época você morava sozinha?
Sim, desde os 15 anos. Quando a guerra acabou, durante um ano não aconteceu nada na minha vida. Porque o país estava em recuperação, não tinha dinheiro para nada, esportes e artes foram apagados. Para mim restaram duas opções: ou casar, ter filhos e continuar lá ou arrumar as malas e vir embora. Eu já tinha vindo para o Brasil competir e conheci umas pessoas. Aí vim fazer alguns contatos, não pretendia ficar. Estou aqui há 10 anos.

5. Você fala muito bem o português.
Isso porque eu sou loira, hein? Eu aprendi sozinha, logo nos primeiros meses. Aí comecei a treinar e dar aulas de Kickboxing. Resolvi competir e fui bicampeã brasileira, campeã Panamericana e Sulamericana. Mas faltavam mulheres. Aí fui chamada para lutar boxe em um programa de televisão. Quando eu cheguei lá, não acreditei no tanto de mulheres que existiam no boxe. Eu ganhei, mas foi na raça. Aí eu pedi para ser treinada pela seleção masculina de boxe e me profissionalizei, disputei os mundiais e ganhei, sempre pelo Brasil.

6. E é difícil esse caminho?
Para a mulher é mais fácil do que para o homem. Até pela quantidade de boxeadores. Mas você tem que fazer as coisas certas, ir aos poucos, se fazer conhecido.

7. Mas você é a primeira boxeadora a ser reconhecida pelo o público leigo no Brasil…
Sim. E algumas pessoas dizem que eu ganho lutas porque visto uma saia. Aí eu digo “é isso aí, eu pinto as unhas, entro no ringue e a outra pessoa cai”.

8. As meninas que estão começando são muito enganadas por empresários?
Sim, é só o que acontece. Por isso que não tem lutas, por isso o esporte não tem divulgação. Já vi uma ótima boxeadora, porém inexperiente, quase aceitar lutar por R$ 500, correndo o risco de ser nocauteada. Eu a convenci a não assinar e pagaram mais. Já vi um colega desenhar o nome no contrato por que não sabia ler ou escrever. É difícil para mim inclusive. Me criticaram quando eu coloquei a bandeira da Sérvia depois de uma luta, mas nesse dia meu avô havia falecido e eu fiz uma homenagem. Desde o primeiro dia que eu pisei nesse País eu defendo a bandeira do Brasil. Eu não sou naturalizada ainda, depois de dez anos, mas eu defendo a bandeira brasileira. Eu tinha plano de saúde, tinha patrocínio e nesse momento não tenho nada disso. Mas vou ganhar tudo de novo.

9. Mas o teu ex-empresário te tirou tudo?
As besteiras que ele fez trouxeram consequências. Sabe por que as pessoas morrem no boxe aqui na América Latina? Porque quando um boxeador é nocauteado, é proibido de lutar por seis meses a um ano. Só que o atleta ganha R$ 300, com filho, família. Ele falsifica o atestado médico para fazer outra luta e ganhar mais R$ 400. Aí vai lutando, uma atrás da outra, e morre no ringue.

10. A inclusão do boxe feminino na Olimpíada deve mudar alguma coisa?
Demorou, né? Já tinha feminino de karatê, judô. Acho que melhora, mas vai demorar. Eu aposto em algumas meninas, se alguém investir nelas. Se pagar supletivo, mandar para lutar lá fora, para intercâmbios. Eu dou meu braço pela qualidade, pelo trabalho, pela técnica. Mas, se não houver investimento, nem adianta cobrar.

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